Sexta-feira, 6 de Agosto de 2004

O dia a dia de um portador da Hepatite C

Mais uma questão colocada por um leitor do Hepatite C:

«Se me é permitida a sugestão, seria interessante saber como é o dia-a-dia de uma pessoa portadora de hepatite C, quais as limitações (o álcool, já percebi, é uma delas). De resto, o portador tem uma vida normal?»

A minha resposta :

Varia de pessoa para pessoa e alguns factores de certa forma explicam isso:

- O genotipo do vírus ( existem vários ). Há genotipos mais e menos agressivos

- O grau de lesão provocada no fígado

De maneira geral entretanto, como já foi dito aqui a Hepatite C é uma doença assintomática . Quando ocorrem, os principais sintomas detectados pelos diversos estudos realizados são : Fadiga e dores nas juntas/articulações ( nomeadamente dos membros superiores )

O grande problema entretanto é o período de tratamento. Os efeitos colaterais (inúmeros) provocados também variam um bocado de pessoa para pessoa. Alguns referidos em estudos são:

- Sensação de gripe permanente, com dores pelo corpo
- inapetência alimentar
- depressões e insónias
- fadiga

Eu, particularmente, após muita conversa ( via Internet ) com vários portadores em tratamento ou que já tinham passado pela experiência do tratamento elegi aquele que considero o pior efeito colateral :

- Pavio curto ( irritabilidade )

Passo a explicar : Perde-se a paciência para tudo. Não há pachorra para enfrentar as pequenas adversidades do dia-a-dia. Por vezes fica-se mesmo colérico.

Isso acaba por criar situações de conflito no ambiente familiar, no trabalho, etc...
Houve uma fase durante o tratamento em que as minhas filhas ( 27 e 24 anos ) chegaram a ter medo de mim. Eu explodia por tudo e por nada. No trabalho era a mesma coisa. Muitos colegas não compreendiam a minha mudança de comportamento ( nunca fui uma pessoa conflituosa, sempre fui calmo e apaziguador ). Uma vez fui mesmo expulso de um banco por uma agressiva discussão com uma das funcionárias e com o gerente. Isso me pertubava muito porque eu mesmo não me reconhecia e sentia que havia perdido o controlo sobre mim próprio...

Fiz o primeiro tratamento há 3 anos com o Interferão ( não peguillado ) e Ribavirina. Uma injecção na barriga dia sim, dia não ( interferão ) e seis comprimidos diários. Durou 7 meses. Consegui fazer o tratamento sem necessidade de baixa ( nos ultimos 2 meses foi complicado...) e ao fim estava negativado. Depois de 4 meses "o bichinho" retornou. Há 1 ano e 4 meses atrás iniciei o tratamento com interferão peguillado + ribavirina ( 1 injecção semanal e seis comprimidos diários ) . Este segundo tratamento durou um ano. A partir do 5º mês vi-me obrigado a entrar de baixa devido à total impossibilidade de continuar a trabalhar. Não conseguia nem sair de casa para ir ao café. Emagreci cerca de 28 Kgs. No momento estou negativado, mas só o tempo ( talvez mais seis meses a um ano ) dirá se obtive ou não a cura definitiva. De qualquer forma, mesmo que eu esteja nos cerca de 20% dos pacientes que não a obtém, o sacrifício terá sido válido pois os medicamentos mesmo que não curem definitivamente conseguem proteger ou "impermeabilizar" o fígado dificultando a progressão da doença. Álcool é que nunca mais ! ( esse aspecto para mim não foi complicado ).

Minha vida vai se recompondo, recupero-me fisicamente com caminhadas, tenhos hábitos de vida mais saudáveis, procuro combater o stress, repousar nas horas vagas. Recuperei qualidade de vida, voltei a trabalhar e aos poucos as coisas vão se recompondo. Financeiramente foi complicado ( a questão das baixas...) , socialmente também ( a ignorância e o preconceito...) . Mas com a ajuda dos familiares, médicos e alguns amigos, dei a volta a isso tudo.

De resto, estou "cheio de pica" !
publicado por ValNeto às 11:32

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De Anónimo a 9 de Agosto de 2004 às 18:40
O facto da Hepatite C ser uma doença recente ( em termos de medicina, uma doença com 15 anos pode ser considerada quase que como uma bebé ) faz com que hajam diferentes correntes de opinião entre a classe médica e científica. Uma grande corrente defende a total abstinência.

Eu considero que, em se tratando de saúde, o melhor é jogar na defesa. Isto é uma opinião pessoal e cada um sabe de si.Val Neto
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(mailto:valneto@netcabo.pt)
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